quinta-feira, 20 de março de 2014

HOMENAGEANDO VALMIR CALHEIROS

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 Jornalista Valmir Calheiros
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VALMIR CALHEIROS



  ANTONIO SAPUCAIA – desembargador aposentado e jornalista.



Faz pouco tempo, falava entusiasticamente sobre os 80 anos da Gazeta de Alagoas, seus percalços, suas aventuras, nossas aventuras, e não se esquecera de mencionar o trabalho que havia concluído acerca da Santa Casa de Misericórdia de Maceió. Foi mais além: dera-me notícia do livro pronto a respeito do jornalismo alagoano e de outro focalizando a Gazeta de Alagoas, faltando apenas um capítulo para tê-lo acabado.
Há quatro meses, havia escrito a orelha do meu livro, Arquivo de Jornais, dado
a lume recentemente, sem saber que estava tão próximo de despedir-se da vida dos
familiares, dos amigos, das atividades jornalísticas.

Agora, fui vê-lo no esquife, sereno, boca e olhos fechados, sem nada me poder dizer sobre algum livro que adquirira tratando de Lampião, em paz consigo mesmo e com a eternidade que, havia pouco, dele se apoderara; fui vê-lo, instantes depois, juntar-se ao único filho varão, há muito dolorosamente separados, introduzido na mesma urna funerária, dando-nos a certeza de que irão festejar um reencontro já previsto, mas sem data certa, tornando ambos felizes. Afinal, um reencontro entre pai e filho, há muito distanciados, induvidosamente vai torná-los alegres e festivos, a comemorar o final de uma caminhada da qual ninguém pode se desviar.

Valmir Calheiros era um homem simples sem ser simplório, de uma simplicidade extrema. Estava no seu sangue, na sua personalidade, nos seus hábitos de vida, na sua vocação para as coisas singelas, sem ornatos. Conhecendo-o há cerca de cinquenta anos, raríssimas vezes o vi de paletó e gravata no pescoço, roupa bem engomada. As calças e camisas pareciam as de sempre, embora as mudasse normalmente, deixando-as sempre a parecer sobrar no corpo magricela, pois nunca conseguira engordar. Na sua simplicidade, sabia guardar o segredo de construtor de amizades, o que fazia com facilidade notável.

Descansado, andar lento, dava a impressão de não ter assumido nenhum compromisso com hora certa; nisso, era um displicente. Mas era justo que assim fosse, pois, pesquisador que era, e dos bons, tinha de ser paciente, como é a regra do bom pesquisador. Era um descompromissado com horário, hábito que adquirira desde os bons tempos da Gazeta de Alagoas, quando já era alvo das reprimendas de Rodrigues de Gouveia, o secretário de redação, que não o perdoava por haver “matado” a avó por mais de uma vez, na tentativa de justificar a ausência nas segundas-feiras à redação do jornal, pois se encontrava na sua querida Atalaia.

Amigo dos amigos, era um eterno afeiçoado ao Sindicato dos Jornalistas, dando uma parcela substancial do seu talento ao órgão de classe. Quando foi deflagrado o golpe de 1964, ocasião em que jornalistas e outros segmentos sociais eram convocados ao Quartel do 20º BC, para prestar esclarecimentos e dedurar colegas, Valmir Calheiros nunca deixou de atender aos chamamentos, porém nunca nominou colegas envolvidos com ideologias contrárias ao regime, apesar do constrangimento psicológico por que passara.

Eterno guardador de datas alusivas à imprensa alagoana, eu mesmo me vali muitas vezes dos seus préstimos nesse sentido. Diga-se, a propósito, que nenhum jornalista alagoano, por mais velho que seja, tinha tantos elementos informativos sobre a imprensa local.

Foi-se Valmir Calheiros, e com ele toda a simplicidade que lhe era própria, possivelmente sem saber da elevada importância que tinha no jornalismo alagoano, no meio dos colegas que vão lamentar profundamente a sua ausência.


(Publicado pelo jornal Gazeta de Alagoas - Edição de 19.03.2014)