segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

 

Soneto da separação
Vinicius de Moraes
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De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
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De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
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De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
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Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

Motivo
 
Cecília Meireles
 
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.


Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.


Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.


Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Soneto de Ronaldo Cunha Lima

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Uma história em dois tempos
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Ronaldo Cunha Lima(*)
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Cada tempo viveu uma estação:
um inverno de sonhos e quimeras,
o florido das belas primaveras
e o outono com folhas pelo chão.
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E em meio à tempestade, a inundação
do nosso espaço, abrindo-lhes crateras
separando, entre nós, as crenças veras
no amor e temor à solidão.
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Houve fugas de rotas e caminhos,
distâncias nos afetos e carinhos
em confissão final, a mais sincera.
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Nossa história, em dois tempos dividida:
uma metade em sonhos foi vivida
outra metade é, tão somente, espera.
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(*)Ronaldo Cunha Lima (Guarabira - 1936 - João Pessoa 2012)  foi advogado, promotor de Justiça, professor, poeta, vereador e prefeito de Campina Grande, governador da Paraíba (dois mandatos), deputado federal (dois mandatos) e senador da República.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

Poema de Judas Isgorogota


Os Pêssegos
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Judas Isgorogota
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Mando-te, amor, uns pêssegos, dourados,
aureolados de cetíneos fios;
tenros como os teus seios, perfumados,
frágeis, sedosos, tépidos, macios ...
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Lembra teu colo, de veludo-rosa,
a polpa suave, sedutora, amena,
de indizível doçura, capitosa,
como o teu lábio de mulher morena...
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Qual se de néctar fabricada fosse,
tem o sabor divino da ambrosia;
doce como os teus olhos, juraria
que só o sorriso teu é assim tão doce...
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Toma-os nos braços teus, com tais cuidados
e de maneira tal todos unindo,
que, maduros que estão, de sazonados
não se vão machucando e diluindo...
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Mas, abraçando-os, com efetivo encanto,
faze que os seios túrgidos, rosados,
juntos, agora, aos pêssegos dourados,
não se misturem nem se igualem tanto...
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Não sorrias, amor, de meus receios...
Evitarás, assim, que estas amenas
visões, tão lindas — pêssegos e seios —
não me pareçam pêssegos, apenas...
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