quinta-feira, 20 de outubro de 2016

segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Sonetos de Christiano Fernandes

.


Cinco sonetos para um passarinho
                       
.
Sem desvelo nenhum pelo ecológico
- antes pensando tudo por amor -
o pássaro deixou-se, por ilógico,
aprisionar-se todo, até a cor
.
dourada da plumagem, mais o verde
dos seus olhos e mais o que ele era:
pássaro alado de desejo e sede.
.
Depois, acomodado na gaiola,
imaginou-se cravo e viola
e pôs-se a fiar o tempo em seus teares...
.
Até que em certa tarde morna viu-se
pairando além, e livre pressentiu-se
reofertando à festa dos pomares.
.
II
.
O mar, o mar imenso era um brinquedo
e o céu distante era um azul deserto.
Seus olhos eram como longos dedos
trazendo as longitudes para perto
.
Das ânsias de suas asas que, em segredo,
o vôo liberava para um certo
espaço já perdido e desde cedo
roubado de seus sonhos mal despertos.
.
Cativo, agora, o pássaro modula
uma canção plangente que se ondula
nas harpas da manhã e, então, se evola
.
em árias e sonatas e se perde
pelo deserto azul e pelo verde
mar, alheios ao pássaro e à gaiola.
.
III
.
Posto que do mar não seja
e seja ave de pomar
pelo mar sempre ela adeja
ela é louca pelo mar.
.
Pelas naves da manhã
ela faz sua  viagem
enquanto a ardente romã
do sol lhe doura a plumagem.
.
Viaja mesmo na areia...
E quando faz mão cheia,
há ventos fortes, marola,
.
ela que é ave campestre
com destino terrestre
sonha com o mar na gaiola.
.
IV
.
De dourado fez-se azul
naquela manhã, o pássaro.
Ou foram ventos do sul
que de repente perpassaram
.
pelas paisagens que habita,
ou foi uma certa aragem
que em certas horas transita
e muda a cor da plumagem,
.
E em frio azul transmudado
pôs azul no seu trinado
e o mundo inteiro azulesce...
.
Revestindo a corda dourada
nos clarins da madrugada.
.
V
.
Sentir meus dedos entre suas penas,
tatear meus olhos pelos seus segredos
é esse o jogo a que me entrego, apenas
o pássaro diviso em seus degredos
.
aéreos, no altiplano de concreto,
em cujo frio chão nada germina
além de sombras e seu vulto incerto
que se divisa de uma esquiva esquina.
.
Onde no chão os girassóis florescem
nos braços da manhã ele amanhece
adeja leve e nada lhe sofreia
.
o vôo dourado em direção do mar.
E redivivo ao sol e se desfaz na areia.
.
Christiano Nunes Fernandes, nasceu no Amazonas, no alto rio Negro, em uma das propriedades do seu pai. Faleceu em Maceió(AL), onde morou por muitos anos, formou-se em Direito, constituiu família, prestou concurso e foi nomeado Juiz de Direito.

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Poetas alagoanos quase esquecidos (14)

.
          ÚLTIMA FOLHA
         
          Clovis de Holanda  Cavalcanti
          .
          Poeta, se queres ser um dia dos eleitos da arte,
          Para exprimir no verso o gênio que te anima,
          Dobra o valor, duplica o esforço, a alma biparte,
          Que o fruto do teu ser seja obra prima.

.
     
          Agarra a pena, doma a ideia, prende a rima...
          Pensa, cria, trabalha, executa, e, destarte,
          Talha, corta, burila, esculpe, ajeita, lima
          A forma, a cor, o som, para imortalizar-te.
.
Esquece o mundo, esquece a vida, esquece tudo...
E louco, desvairado, incompreendido, mudo,
Concentra nessa lida o teu vigor disperso.
.
Porém, se apesar disso o teu trabalho é frio,
Sem expressão, sem cor, sem ânimo, vazio,
Quebra a pena, por Deus! Amaldiçoa o Verso!
 .
.
CONDOR

Clovis de Holanda  Cavalcanti
.
Asas soltas no espaço, as alturas buscando,
O condor vai fazer uma subida brusca.
Grande no seu desprezo ao mundo miserando.
Os páramos do azul garbosamente busca.
.
Voa, corta no céu, de um rasgo formidando,
A infinita amplidão que seu furor rebusca.
Vai subindo, subindo... e nem vacila quando
O sol a reluzir o seu olhar ofusca.
.
Voa, sobe e se perde altivamente no alto,
Olímpico, viril, sem nenhum sobressalto,
No supremo desdém de quem morre sorrindo!

.
Condor de sonho, audaz, quero galgar a glória...
Subir sempre, ascender, em busca da vitória...
Voar, subir mais, morrer assim subindo!
.
Clovis de Holanda Cavalcanti –  Nasceu no Engenho Boa Ventura, em Viçosa – AL em 19/9/1892 e faleceu em Recife – PE em  03/07/1914). Filho de Augusto de Holanda Cavalcanti e Francisca Casado de Holanda Cavalcanti.