quarta-feira, 13 de abril de 2011

Depoimento de Vera Romariz

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Crônica meio chata


. Vera Romariz .


Em novembro tive um diagnóstico de tumor neoplásico no seio: traduzindo, tratava-se de um câncer de mama. Nunca fumei, nunca bebi, não fiz reposição hormonal para (ironia das ironias) evitar o câncer, que chegou como um vendaval.


Ele veio; como um visitante inoportuno, instalou-se em minha casa um mês depois que fiz uma festa para amigos próximos, comemorando a alegria de ter alcançado (pensava eu) feliz e saudável os 60 anos. Entrou em meu cotidiano sem pedir licença, adiou sonhos, assustou o companheiro e comoveu os filhos que vieram de longe acompanhar minha luta ainda em curso.


Cultivei sempre a alegria e evitei olhar para a vida com lentes cinzentas; fui confiante, determinada e positiva em relação à maioria de minhas experiências. Gostava e gosto de brincar; julgo mesmo que o espírito artístico mantém um gosto de criança eterna em mim. Sorrir de mim mesma ou de situações sempre me fez bem; a alegria sempre foi uma segunda pele.


Se o espírito leve que existia em mim não evitou o sofrimento, ajudou a minimizá-lo; amada e bem protegida por ótimos médicos (Doutores Pedro Henrique, Patrícia Amorim e Gustavo Quintella), caminhei com bons apoios afetivos e profissionais, tentando entrever, em meio ao percurso doloroso, a estrela guia da Cura, sempre meio provisória.


O que aprendi nessa via crucis moderna? A consolidar a humildade, e a não esconder a verdade: o cansaço proveniente das sessões de químio me ensinou, a contragosto, a andar devagar, a pedir ajuda, a dizer claramente que tinha câncer, que estava em tratamento, quando precisava enfrentar uma fila inevitável. E recebi ajuda delicada e sensível de pessoas simples, que pegavam minhas compras, diziam palavras carinhosas, me encantavam. Os amigos foram mais que irmãos; os irmãos foram quase pais.


Julgo que o câncer me tornou uma pessoa melhor; mas, cá entre nós, que curso duríssimo! Mais duro que o vestibular de Medicina ou o meu doutorado. Agora, reinicio lentamente a fazer pequenos planos: ir a Salvador, cidade que amo e onde estão dois filhos e quatro netos; a Buenos Aires, talvez; à Europa, sempre que puder.


Enfim, aprendi que o câncer não arrancou de minha existência o que considero meu maior legado: a escrita, os meus afetos, e –enfim- eu mesma. Provisoriamente careca; a duras penas tentando voltar a ser feliz.
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VERA ROMARIZ nasceu em Maceió. É Doutora em Letras, professora e pesquisadora, neta do poeta penedense Sabino Romariz (1873-1913). Livros publicados: Quase Pássaro (1986), Campo Minado (1986), Amor aos Cinqüenta (2004) e Película (2008).
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(Reproduzida do Blog do Carlito Lima - http://carlitolimablog.blogspot.com/, com autorização da autora)

2 comentários:

Anônimo disse...

Graças a Deus a professora Vera te, esse astral tão bonito. Que recupere a sua saúde plenamente para continuar escrevendo coisas tão belas como os seus poemas.
Maria L.Santos

Sylvia Rosa disse...

Quem disse que a vida é mole???
Se estás aqui é porque Deus Sabia da sua força e tu mesma se comprometeste a não se vitimizar diante de qualquer circunstância, por mais dura que fosse...
ELE deve estar encantado com tudo que está te acontecendo e ver quão linda e forte é tua filha amada...
Você vencerá pra alegria e misericordia dele...
Abraços fraternos!!!
Linda semana