domingo, 20 de dezembro de 2009

Uma crônica de Vera Romariz

A TRADIÇÃO FEMININA DO NATAL

Vera Romariz (*)

A tradição natalina, não necessariamente a religiosa, mas a profana, cheia de festas e ritos de encontro, é muito feminina. Até rima! Drummond já dizia que as mulheres ficam belas em dezembro. Elas sorriem para os seus, conjunto amplo de pessoas que constituem um círculo familiar e de amizades, do cafezinho, da faculdade, da ginástica, da rua, da vida plena de um movimento quase autista que as mulheres possuem.

Um Natal só com homens seria um desastre. Quem adornaria as árvores? Quem congregaria pessoas? Quem procuraria adivinhar o gosto daquele filho adolescente, sempre chato, e sempre reivindicador? Quem faria as pazes entre pai e filhos, senão a mãe, forçosa e historicamente “mais compreensiva”, em virtude da quase absoluta falta de racionalidade e de tolerância dos homens para as relações humanas? Quem reataria, com dedos fortes, o esgarçado tecido familiar com filhos separados, noras magoadas e filhos perplexos?

No comércio, ou no shopping, sorridentes, elas compram “lembrancinhas” para o marido emburrado, para o filho rebelde, para o amigo bom e para o desafeto. Porque, afinal, “é natal”, diz ela, que bem sabe que, nessa época de cores e luzes inesperadas, nós nos concedemos uma espécie de liberdade condicional da chatice do cotidiano, às voltas com a crise econômica, assunto (orgasmo?) de todo homem que se preza.

Injustamente classificadas como gastadoras, as mulheres realizam a parte afetiva de cujos resultados todo homem gosta, seja, pai, avô ou bisavô. “Coisas de Vera”, diz meu marido, ou o seu. “Coisas de mulher”, diz um machista deliciado com o peru comprado na liquidação, com a mesa posta e bonita, com o jarro habilmente escondendo o desbotado da toalha de tantos anos atrás. Porque as mulheres são protéicas formas de viver o contraditório cotidiano de nosso tempo conturbado, às voltas com uma crise radical de valores humanos.

As pessoas, em nossa cidade, na minha infância, se encontravam nas portas da rua, fugindo do calor de dezembro; divertiam-se nos terraços, nas praças, nas ruas seguras da Maceió deliciosamente provinciana dos anos 50 e 60. As grades fecharam os terraços do Farol e da Ponta Verde; os portões eletrônicos substituíram os pequenos muros de alvenaria. Pouco a pouco, a cidade se fechou em copas e as mulheres passaram a encontrar-se na rua, no café, no barzinho da esquina, escondidas do olhar mais conservador. O Farol era uma alameda de iluminadas árvores piscando em verde e vermelho. Fecharam-se as casas; derrubaram uma face bonita de Maceió, meio brega, meio verde, onde as crianças se reconheciam.

Natais ameaçados por tantos planos econômicos malucos quase nos impediram de exercitar a tão feminina ginástica de compras. Mas como na letra da Nega Juju, do Farol à Ponta Grossa, a “folia é nossa”. E nos mercados de bairro, os carrinhos toscos continuam cheios; Théo (aleluia!) pagou cedo o décimo-terceiro, habilitando-nos a uma antecipação do décimo-quarto presentinho. Coisas de homem! Deixar-nos sofrer, até o último momento, para, então, magnânimo, conceder o indulto financeiro de Natal.

Mas perdoamos todos, até os que nos chamam de lineares, superficiais, gastadeiras; porque o abuso deles precisa dessa leveza protéica que possuímos, dessa generosidade de útero que aprendemos a conservar, desse sorriso-estandarte de uma força que nos ensinaram nossas mães e avós. Coisas de mulher. Coisas da melhor tradição feminina do Natal.

(*) Vera Romariz é Doutora em Letras, professora, poeta, pesquisadora. Neta do poeta penedense Sabino Romariz (1873-1913), nasceu em Maceió, é autora dos livros Quase Pássaro (1986), Campo Minado (1986). Amor aos Cinqüenta (2004) e Película (2008).

2 comentários:

Pedro disse...

Bom Blog :) os meus Parabens

Cumprimentos de Portugal

maybe disse...

I'm appreciate your writing skill.Please keep on working hard.^^